Jesus
estava à mesa com os pecadores e publicanos – cobradores de impostos. O que
surpreende, entretanto, não é que Jesus esteja à vontade na companhia de gente
mal falada, mas que pessoas de reputação duvidosa e moral escandalosa se sintam
perfeitamente à vontade na mesa de Jesus.
Passando
por ali, viu Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe:
"Siga-me". Levi levantou-se e o seguiu. Durante uma refeição na casa
de Levi, muitos publicanos e "pecadores" estavam comendo com Jesus e
seus discípulos, pois havia muitos que o seguiam.
Quando
os mestres da lei que eram fariseus o viram comendo com "pecadores" e
publicanos, perguntaram aos discípulos de Jesus: "Por que ele come com publicanos e ‘pecadores’?" Ouvindo
isso, Jesus lhes disse: "Não são os
que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para
chamar justos, mas pecadores". [Marcos 2.14-17]
Fariseus,
escribas, publicanos e pecadores. Os fariseus, nome que significa
“separados”, eram o mais ortodoxo e rigoroso segmento do judaísmo dos dias de
Jesus. Eles se consideravam “o verdadeiro Israel”.
Os
escribas, também chamados doutores da Lei, eram estudiosos e mestres da Torah,
o texto sagrado dos judeus.À época os judeus eram colônia romana e pagavam
impostos exorbitantes.
Os
publicanos eram os judeus coletores de impostos que trabalhavam para Roma nas
províncias e colônias romanas.Além de serem considerados traidores de Israel,
eram repudiados pelos fariseus e mestres da Lei, pois não apenas faziam o
serviço sujo para Roma como também estavam envolvidos em corrupção, cobrando
impostos abusivos em benefício próprio.
HÁ RAZÕES PARA ESTE APARENTE
PARADOXO.
JESUS NÃO USAVA SUA AUTORIDADE
PARA SE DISTINGUIR, MAS PARA SEDUZIR. O biógrafo de Jesus, Marcos,
parece desenvolver sua narrativa de modo a nos conduzir propositadamente a essa
cena. Apresenta Jesus ensinando com uma autoridade jamais vista anteriormente,
e contrapondo seu ensino ao modelo dos religiosos escribas e fariseus.
Admiradas, as pessoas se perguntavam a respeito de Jesus: “O que é isso? Um novo ensino? De onde vem
essa autoridade?” (Marcos 1.22,27).
Os
mestres de Israel formavam uma casta iniciada na Torah, e por isso se julgavam
acima do povo simples, com quem falavam assentados “na cadeira de
Moisés”. Jesus se misturava entre as gentes, e enquanto falava
compartilhava os mistérios do reino de Deus a quem estivesse de coração aberto.
Geralmente os pecadores estavam mais prontos a ouvir, pois não se sentiam
intimidados nem menosprezados por Jesus. Sim, Jesus revela mistérios
espirituais aos simples e pecadores.
JESUS NÃO USAVA SEU PODER PARA
DESTRUIR, MAS PARA PROMOVER LIBERTAÇÃO. Os demônios devem temer a Jesus.
Os seres humanos, não. Diante de Jesus os espíritos maus davam passos para
trás, em tom suplicante para que não fossem destruídos (Marcos 1.23-26).
JESUS NÃO AMEAÇA OS SERES
HUMANOS COM SEU PODER ESPIRITUAL. Não é um feiticeiro gerando medo, adulação indevida e
subserviência. Diferentemente dos neofariseus, Jesus coloca os homens em pé, os
ensina a andar com suas próprias pernas e os conduz à autonomia responsável e
reverente a Deus. Sim, Jesus expulsa demônios e liberta seres humanos.
JESUS NÃO USA SUA PUREZA PARA
SEGREGAR, MAS PARA ABRAÇAR OS EXCLUÍDOS. O leproso que de Jesus se aproxima sabe
que pode ser purificado. Na tradição de Israel, o leproso era impuro, e todo
aquele que com ele tivesse contato se tornaria igualmente impuro. Mas Jesus, ao
tocar o leproso, purifica o leproso. Com o seu toque, em vez de ser maculado
pela lepra, transfere sua pureza ao leproso (Marcos 1.40-42). Sim, Jesus abraça
os impuros.
JESUS NÃO USAVA SUA VIRTUDE
PARA CONDENAR, MAS PARA OFERECER PERDÃO. O paralítico que lhe é
apresentado tem seus pecados perdoados (Marcos 2.5-7). Os religiosos, partindo
do princípio que somente Deus pode perdoar pecados, expressam sua contrariedade.
Jesus poderia lhes estender a mão: “Muito prazer, Deus em carne e osso”.
Sabedor de seu direito e do débito dos homens, Jesus estende a mão como oferta
de aproximação, perdão e reconciliação.
O
olhar de Jesus não é condenatório. Sua voz não é acusadora. Seu tom não é
moralista. Sua mensagem não é de juízo, mas de salvação. Não vem para promover
“o dia da vingança de Deus”, mas para anunciar “o ano da graça do Senhor”. Sim,
Jesus perdoa pecados.
JESUS NÃO USA SUA TRADIÇÃO
RELIGIOSA PARA SE EXIMIR DAS DORES DO MUNDO, MAS PARA PROMOVER A VIDA. Os religiosos querem
saber se é lícito curar no sábado (Marcos 3.1-6). A interpretação de que
guardar o sábado implica distanciamento ao sofrimento humano é absolutamente
rejeitada por Jesus
A
Torah é caminho de vida e não pode ser usada para garantir aos religiosos o
lugar confortável e asséptico da omissão diante do ser humano que sofre. O
sábado foi criado para o homem, e não o homem para o sábado, ensinou Jesus
(Marcos 2.17). Sim, Jesus usa sua religião em favor da vida.
Devem
ser temidos os homens que se valem de sua autoridade e poder espiritual para
intimidar e abusar de gente simples, sua pretensa superioridade moral para
segregar os pecadores, sua pseudo virtude para condenar os que não se encaixam
em seus padrões de pureza, sua religião para lavar as mãos enquanto o mundo
chora.
De
fato, não surpreende que publicanos e pecadores se sintam à vontade na
companhia de Jesus. A mesa está posta: partilha dos mistérios divinos,
ação que promove libertação, abraços de inclusão, oferta de perdão, compaixão,
solidariedade e generosidade.
Para
quem imagina que Jesus é condescendente com pecadores e seus pecados, corações
corruptos, e comportamentos imorais, é importante sublinhar que chamava todos
ao arrependimento. Não legitimava a vida torta. Mas não olhava torto para
ninguém. Aliás, olhava sim. Olhava torto para os que acreditavam que não
precisavam se arrepender.
ED
RENÉ KIVITZ
Litrazini
Graça
e Paz
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