O
termo “discernir”, do hebraico nākar e do grego diakrinō, quer dizer
“distinção”, “separação”, “julgar”; isto é, “fazer distinção”, “fazer
separação”. O termo hebraico aparece pela primeira vez em Gênesis 27.23, no
contexto em que Isaque é enganado por Rebeca e Jacó. O vocábulo é traduzido por
“não o conheceu” (ARC) ou “não o reconheceu” (ARA).
Na
passagem em apreço, o termo significa literalmente “discernir algo por alto”.
Contudo, outros vocábulos hebraicos traduzem o sentido considerado: sāpat (Êx
18.16); shama (2 Sm 14.17); yada (2 Sm 19.35); nakar (Ed 3.13), entre outros.
Todos com o sentido que diz respeito à percepção, compreensão e julgamento (cf.
Jó 6.30; Sl 19.12; Ez 44.23; Jn 4.11).
No
grego do Novo Testamento, a palavra diakrinō aparece dezoito vezes com o
sentido de “julgar”, “discernir”, “fazer distinção”, “separar”. O termo
descreve tanto o discernimento das coisas naturais quanto das espirituais.
Nas
páginas de o Novo Testamento o termo, ao que parece, é citado pela primeira vez
em Mateus 16.3 (ARC) aludindo ao “discernimento” dos tempos e estações
naturais. Todavia, o termo não se restringe apenas a essa observação, mas
prolonga-se no versículo, pois a supressão do vocábulo na parte seguinte
pressupõe o seu uso: “…sabeis
diferençar a face do céu e não conheceis os sinais dos tempos?”. Portanto,
há o uso combinado de ginōskete diakrinein, isto é, “sabeis discernir”, nas
duas sentenças: “sabeis discernir a
face do céus”; “não sabeis discernir os sinais dos tempos”. Confira,
por exemplo, o texto da ARA “Sabeis,
na verdade, discernir o aspecto do céu e não podeis discernir os sinais dos
tempos?”.
No
texto de 1 Coríntios 11.31, o vocábulo é usado em relação ao autojulgamento do
crente: “Porque, se nós nos
julgássemos a nós mesmos [heautous diekrinomen], não seríamos julgados”. Trata-se,
na verdade, da auto-análise que o crente faz de si mesmo e, mediante a qual,
participa conscienciosamente da Ceia do Senhor. Porém há outros que assentam-se
à mesa do Senhor sem discerni-lhe o corpo: “Porque o que come e bebe indignamente come e bebe para sua própria
condenação, não discernindo o corpo [diakrinōn to sōma] do Senhor”.
O
discernimento pode manifestar-se também como um conhecimento sobrenatural que o
Espírito Santo concede a determinados membros do corpo de Cristo para julgar ou
discernir os espíritos: “…e a
outro, o dom de discernir os espíritos [diakriseis pneumatōn]…”. O
discernimento de espíritos, aludido no presente texto, é um dos extraordinários
dons que concede ao crente a capacidade de discernir os espíritos, julgar as
profecias e as motivações cristãs, entre outras espetaculares manifestações.
Embora,
certos membros do Corpo de Cristo possuam este dom, todos os crentes são
desafiados a “provar se os
espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no
mundo” (1Jo 4.1). O termo joanino para “provar”, não é diakrinō, mas
dokimadzō, isto é, “colocar em prova”, “testar” ou “examinar”. Não somos
escusados de frisar, que este último procede da raiz dok, cujo sentido é
“perceber”, “pensar”, “pressupor”, “crer”.
Traz
a ideia de estar convencido de que isto ou aquilo está errado ou certo. Também
pressupõe, chegar a certeza das coisas mediante repetidos testes. Portanto,
somos advertidos e orientados pela Palavra de Deus a julgar a procedência das
motivações humanas, das profecias, dos movimentos de caráter messiânico entre
outros.
O
discernimento é uma capacidade do crente maduro de acordo com Hebreus
5.14: “Mas o mantimento sólido é
para os perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados
para discernir tanto o bem como o mal”. O crente maduro, no original
teleiōn, é aquele que tem as suas faculdades cognitivas exercitadas na piedade
e doutrina cristã. Este, é capaz de separar, julgar, testar, distinguir ou
discernir tanto o bem como o mal [diakrisin kalou te kai kakou].
O
termo kalōs, traduzido neste texto por “bem”, trata-se da capacidade para
discernir a qualidade das ações morais humanas que lhes confere um caráter
moral correto, bom ou útil. Já, o vocábulo kakōs, significa literalmente
“erradamente”, “impiamente”, “mal”, ou seja, tudo o que se opõe à virtude, à
probidade, à honra. Neste âmbito o crente é desafiado a discernir a cultura, a
mídia, a política, a educação, a religião, comparando e confrontando-os com os
postulados das Sagradas Escrituras.
O
contexto religioso atual exige que o crente exerça mais do que nunca, o
discernimento, não apenas como percepção racional mas como dom
espiritual. Visto que o crente santo e fervoroso, aspira por uma
experiência que o eleve acima da mediocridade espiritual tão comum em tempos
pós-modernos, é ele, e não os indolentes, quem mais necessita do discernimento
espiritual.
Esdras
Costa Bentho, Mestre em Teologia PUC RJ
Por
Litrazini
Graça
e Paz
Boa exegese.
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